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Desde que iniciei minha trajetória na educação e no atendimento a crianças e adolescentes, sempre me questionei sobre como o ambiente escolar pode ser tanto um impulsionador quanto um limitador do potencial de cada aluno. É fácil perceber quando uma criança brilha, quando sua criatividade transborda e suas ideias fluem livremente. Mas, infelizmente, também é comum ver esse brilho sendo ofuscado por padrões rígidos e imposições que ditam um único jeito “certo” de aprender, pensar e criar.

O conto “O Menininho”, de Helen Buckley, traz essa reflexão de forma tocante. Ele mostra como, muitas vezes, o desejo de ensinar e estruturar acaba podando a espontaneidade e a capacidade de inovação das crianças. A escola — que deveria ser um espaço de descoberta e experimentação — muitas vezes se torna um ambiente de padronização, onde o medo de errar fala mais alto do que o prazer de aprender.

Essa história me fez lembrar de muitas crianças que frequentaram ao longo dos anos. Algumas dificuldades de aprendizagem, outras com altas habilidades, mas todas com algo em comum: preciso de vistas e respeitadas em sua individualidade. Afinal, cada um aprende de uma forma, cada um percebe o mundo com sua própria lente.

A pergunta que fica é: estamos realmente permitindo que nossas crianças sejam quem são? Estamos incentivando suas criações, seus questionamentos e suas formas únicas de ver o mundo?

Convido você a ler esse conto e refletir sobre como podemos, juntos, transformar a educação e o desenvolvimento infantil em um caminho de liberdade, respeito e estímulo genuíno.

O conto “O Menininho”

 Helen Buckley

Era uma vez um menino bastante pequeno que contrastava com uma escola bastante grande.

Uma manhã, a professora disse:
— Hoje vamos fazer um desenho.

“Que bom!” — pensei no menininho. Ele gostava de desenhar leões, tigres, galinhas, vacas, trens e barcos… Pegou a sua caixa de lápis-de-cor e começou a desenhar.

A professora então disse:
— Esperem, ainda não é hora de começar!

Ela esperou até que todos estivessem prontos.
— Agora — disse a professora — nós vamos desenhar flores.

E o menininho começou a desenhar lindas flores com seu lápis rosa, laranja e azul.

A professora disse:
— Esperem! Vou mostrar como fazer.

E a flor era vermelha com caule verde.
— Assim — disse a professora — agora vocês podem começar.

O menininho olhou para a flor da professora, então olhou para a sua flor. Gostou mais da sua flor, mas não podia dizer isso… Virou o papel e desenhou uma flor igual à da professora. Era vermelha com caule verde.

Num outro dia, quando o menininho estava na aula ao ar livre, a professora disse:
— Hoje vamos fazer alguma coisa com o barro.

“Que bom!” — pensei no menininho. Ele gosta de trabalhar com barro. Você pode fazer com ele todos os tipos de coisas: elefantes, camundongos, carros e caminhões.

Começou a juntar e amassar a sua bola de barro.

Então, a professora disse:
— Esperem! Não é hora de começar!

Ela esperou até que todos estivessem prontos.
— Agora — disse a professora — nós iremos fazer um prato.

“Que bom!” — pensei no menininho. Ele gosta de fazer pratos de todos os formatos e tamanhos.

A professora disse:
— Esperem! Vou mostrar como se faz.

Assim, agora vocês podem começar. E o prato era um prato fundo.

O menininho olhou para o prato da professora, olhou para o próprio prato e gostou mais do seu, mas ele não podia dizer isso. Amassou seu barro numa grande bola novamente e fez um prato fundo, igual ao da professora.

Muito cedo o menininho aprendeu a esperar o olhar e a fazer as coisas exatamente como a professora. Muito cedo ele não fazia mais coisas por si próprio.

Então aconteceu que o menininho teve que mudar de escola. Essa escola era ainda maior que a primeira.

Um dia a professora disse:
— Hoje nós vamos fazer um desenho.

“Que bom!” — pensei o menininho e esperou que a professora dissesse o que fazer. Ela não disse. Apenas andava pela sala.

Então veio até o menininho e disse:
— Você não quer desenhar?
— Sim, e o que é que vamos fazer?
— Eu não sei, até que você o faça.
— Como eu posso fazê-lo?
— Da maneira que você gosta.
— E de que cor?
— Se todo mundo fizer o mesmo desenho e usar as mesmas cores, como eu posso saber o desenho de cada um?
— Eu não sei…

E então o menininho começou a desenhar uma flor vermelha com o caule verde…

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